sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A perempção do CPC se aplica ao Processo do Trabalho?

O aluno Lauro Ericksen fez interessante pergunta por email. Para dar maior publicidade à dúvida, que pode ser de muitos, resolvi publicá-la, juntamente com a resposta, nesta postagem. Quaisquer observações, etc., podem ser feitas nos comentários, como sempre.

Questão:

Olá professor,
estudando para poder responder a questão quanto à revelia no processo do trabalho, estava a ler um artigo publicado por Maria Vitória Ribeiro Terra Franklin e ela ao falar de perempção se refere ao Art. 732 (os dois arquivamentos ocasionam a penalidade dos 6 meses e etc.) e posteriormente ela diz: "Vai mais além o Código de Processo Civil, quando, em seu Art. 268, registra a perda do direito de ação à parte que der causa a três arquivamentos pelo abandono da causa por mais de 30 dias." Dando a entender que com isso no caso de haver uma terceira hipótese de arquivamento (como o abandono por 30 dias) haveria a perempção na causa trabalhista nos moldes da descrita no art. 268 do CPC. O sr. acha que isso seria possível na seara trabalhista? Ou seja, no caso de duas causas de arquivamento se aplicar o art. 732 da CLT e na terceira hipótese de se arquivar ser aplicado de forma subsidiária o CPC com o seu dispositivo 268, o que ocasionaria a extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 267) - mesmo que esta pena seja mais gravosa que a prevista no CPC - por haver agora perempção nos moldes do processo civil? Não sei se essa questão seria cabível de ser discutida no blog, mas, até para não tumultuar o "post" da questão preferi abordá-la por e-mail mesmo.
Att.,
Lauro Ericksen
Resposta:

Caro Lauro e demais alunos,

Com as vênias de praxe aos que diferentemente pensam, creio que não se aplicam ao processo do trabalho o parágrafo único do art. 268 combinado com o inciso III do art. 267, todos do CPC, segundo os quais se tem que, se o autor der causa, por três vezes, à extinção do processo por abandonar a causa por mais de trinta dias, não promovendo os atos e diligências que lhe competir, não poderá intentar nova ação contra o réu com o mesmo objeto, ficando-lhe ressalvada, entretanto, a possibilidade de alegar em defesa o seu direito.

O fundamento para a não aplicação da perempção do CPC é o de que há regramento próprio para a matéria na CLT, especificamente nos artigos 731 e 732, de acordo com os quais, aquele que, tendo apresentado ao distribuidor reclamação verbal, não se apresentar, no prazo de cinco dias, à Vara do Trabalho para fazê-lo tomar por termo, assim como aquele reclamante que, por duas vezes seguidas, der causa ao arquivamento dos autos em razão do não-comparecimento à audiência, incorrerá na pena de perda, pelo prazo de seis meses, do direito de reclamar perante a Justiça do Trabalho.

É dizer, portanto, que a existência da perempção trabalhista impede a aplicação da perempção do CPC, visto que não há omissão quanto à matéria, que justificaria, nos termos do art. 769 da CLT, a aplicação subsidiária do CPC.

Por outro lado, há doutrinadores de nomeada que defendem a idéia de que a perempção celetista difere-se ontologicamente da do CPC, ou seja, de que o que a CLT penaliza é algo diferente do que é penalizado pelo CPC, de maneira que não haveria coincidência das matérias tratadas pelos dois códigos e, portanto, a CLT seria omissa naquilo que aborda o CPC, viabilizando, assim, a aplicação subsidiária deste.

Tenho para mim, contudo, que mesmo que a idéia da diferença ontológica seja defensável – e, com efeito, em certo sentido é – o art. 268 do CPC ainda não poderia ser aplicado, mas agora por outro argumento. É que, embora a perempção do CPC e a da CLT apresentem penas diferentes (a primeira, a de não mais poder intentar nova ação contra o réu com o mesmo objeto, e a segunda, a de perda, pelo prazo de seis meses, do direito de reclamar perante a Justiça do Trabalho), ambas decorrem do mesmo fato, qual seja, o arquivamento dos autos (embora a lei fale em arquivamento da ação, esta é direito público do autor, não susceptível a arquivamento; portanto, os autos é que são arquivados).

Em outras palavras, ambas as perempções são decorrentes da repetição da extinção do processo sem julgamento do mérito, arquivando-se os autos por culpa do autor, de forma que, aplicar a pena do CPC pelo terceiro arquivamento é considerar os dois arquivamentos prévios que já foram contabilizados para aplicação da pena da CLT. Isso, a meu sentir, configura injustificável condenação por duas vezes em decorrência de mesmo fato, já que, repito, os dois arquivamentos causadores da perempção celetista passariam a compor os três necessários à perempção do CPC. Assim, em respeito ao princípio geral do direito do non bis in idem, que se aplica não apenas à esfera penal, mas também à não-penal (cível, trabalhista e administrativa), a perempção do CPC não poderia ser utilizada mesmo se vencido o argumento da ausência de lacuna.

Um aspecto igualmente relevante da análise da perempção, o qual não foi trazido pela pergunta do Lauro, mas que, por certo, é de importância para o estudo, é o de se saber se e quando se dá a interrupção e suspensão da prescrição em decorrência da perempção trabalhista. Alguém se habilita a responder nos comentários? Se houver tentativas de respostas, prometo posicionar-me. Por ora, sugiro a leitura do julgado cuja parte transcrevo abaixo, que pode jogar alguma luz sobre o problema.

Destaque-se que a parte autora não se desvencilhou do encargo de provar que o ajuizamento das reclamações RE.01.001.01026/00 e RE.09.001.01515/00 tiveram o condão de interromper o prazo prescricional em relação aos pleitos que constituem o objeto da presente ação, haja vista que não apresentou as correspondentes petições iniciais a fim de demonstrar a identidade com aqueles pedidos que então fizeram parte do objeto de tais ações trabalhistas. “Interrupção da prescrição – Reclamatória anterior arquivada – Prova. Para que o reclamante possa ser beneficiado com a interrupção da prescrição, resultante de reclamatória arquivada anteriormente, deverá comprovar tal fato durante a frase instrutória, sendo inservível para o fim colimado, a juntada de tais documentos com as razões recursais, diante da orientação jurisprudencial estampada no Enunciado n. 8 do C.TST” (TRT da 12ª Região, 1ª Turma, RO 8720/93,DJ SC 16.9.94, p. 50, Rel. Juiz António Martini).

Todavia, o segundo arquivamento de reclamação trabalhista em virtude do não comparecimento do autor, quando da audiência inicial, acarretou a aplicação da penalidade prevista pelo art. 732 da CLT, que trata da perempção no processo trabalhista. Portanto, houve absolvição de instância com a perda temporária do direito de ação do obreiro durante o prazo de seis meses a contar do segundo arquivamento. Destaque-se que a perempção atinge o direito de ação quanto a todos os eventuais créditos decorrentes do contrato de trabalho, mesmo que os pleitos não tenham integrado o objeto das ações precedentes. Afinal, “a penalidade não se restringe à hipótese de ajuizamento de ação idêntica. Suspende, por seis meses, o direito da parte de acionar a máquina jurisdicional trabalhista de forma geral, independentemente da pessoa do demandado e do objeto da reclamação. Não se trata de perempção, mas de uma impossiblidade temporária do exercício do direito de ação, em face da contumância do reclamante. O direito de ação é público e subjetivo, garantido constitucionalmente, mas jamais será ilimitado. Todos os direitos garantidos ao cidadão terão seu exercício regulamentado, não só para evitar abusos, como para preservar o próprio ordenamento jurídico e a sociedade” (DAMASCENO, Fernando A.V., e CALLADO, Adriane, “Petição inicial – Requisitos”, IN Revista Síntese Trabalhista N° 74, AGO/95, p. 9). Consequentemente, independente de haver identidade quanto ao objeto dos processos RE.11.001.00889/99, RE.01.001.01026/00 e RE.09.001.01515/00, o ajuizamento de tais ações trabalhistas não possuiu o condão de interromper o prazo prescricional por força do disposto no art. 175 do Código Civil, haja vista que então se encontrava em curso o prazo correspondente à perempção.

Ademais, frise-se ser ilógico que a pena de perempção ocasione o benefício de suspensão do prazo prescricional. Afinal, trata-se de uma punição – aplicada como sanção à desídia do empregado que duas vezes seguidas provocar a tutela da Justiça do trabalho e der azo ao arquivamento da ação em decorrência do seu não comparecimento à audiência inicial. Portanto, não se pode subtrair os seis meses do curso da pena advinda da perempção quando do cálculo do prazo bienal previsto no art. 7°, XXIX, da Magna Carta.” Prescrição. Se o empregado deu causa ao arquivamento de ação por duas vezes consecutivas, sendo-lhe por isso aplicada a penalidade de que cogita o art. 732 da CLT, o prazo de seis meses da perda do direito de reclamar perante a Justiça do Trabalho deve ser adicionado ao tempo decorrido entre a despedida e o ajuizamento da ação para efeitos de contagem de tempo prescricional.” (TRT da 12ª Região, 2ª T., RO1572/94. DJSC 30.9.94, p.54, Rel. Juiz Umberto Grillo).

Em suma, conclui-se que o reclamante não se desvencilhou do encargo de provar a ocorrência de interrupção da prescrição quanto ao direito de ação relativo aos pedidos remanescentes. Primeiro, porque não comprovou que integraram o objeto das ações autuadas sob os N° RE.01.001.01026/00 e RE.09.001.01515/00. Segundo, porque os processos RE.11.001.00889/99, RE.01.001.01026/00 e RE.09.001.01515/00 não poderiam interromper o cutelo prescricional porque então se encontrava perempta a ação.” (fls. 1051/ 1052).

Por oportuno, convém frisar que é correta a assertiva do autor com relação à alegação de que a contagem do período imprescrito conta-se da propositura da primeira demanda (23.08.2000), porém não lhe socorrendo tal assertiva, já que não consta dos autos a petição inicial da ação a que se refere, a fim de se verificar os pedidos ali formulados.

Assim, o arquivamento de reclamação anterior tem o condão de interromper a prescrição. Todavia, para que isso ocorra é necessário, imprescindível mesmo, que exista identidade entre a ação arquivada e a atual, ou seja, com as mesmas partes, pedido e causa de pedir (inteligência do Enunciado nº 268 do C. TST), não merecendo nenhum reparo a decisão de origem.

Saliente-se que, de acordo com os demais dispositivos legais pertinentes à matéria, a prescrição só é interrompida com relação às pretensões veiculadas na ação arquivada, o que na presente hipótese, não se pode comprovar à falta de elementos.

Nestes termos, se conclui, inequivocamente, que, no caso sub judice, o termo a quo do prazo prescricional se iniciou quando da extinção do contrato de trabalho, que integrado o prazo do aviso prévio se deu em 01.07.1999, momento em que a suposta lesão alegada pelo recorrente se configurou, desse marco surgindo o início do referido prazo. Como as ações posteriormente ajuizadas não tiveram o condão de interromper o prazo prescricional, o prazo para ajuizamento da ação se encerrou em 01.07.2001. Como a presente ação apenas foi protocolada em 08.11.2001, correta a sentença que extinguiu o processo sem julgamento do mérito, em razão da prescrição bienal.

Para ver o acódão na íntegra, clique aqui.
Att.,
Lycurgo

5 comentários:

Anônimo disse...

Prof., realmente interessante a questão da prescrição.

Tanto assim, que gostaria de dirigir-lhe uma dúvida - embora incerto de este ser o meio adequado -, a qual se relaciona diretamente à prescrição e à ampliação da competência da justiça laboral, realizada pela EC 45/04.

Trata-se de caso prático:

01. Em 28.01.05, buscando indenização por danos morais, materiais e estéticos, João ingressou com ação na justiça comum contra a empresa XXX, onde havia trabalhado até 12.11.1997.

02. A ação tramitava na vara cível até que o STF, no jugalmento do Conflito de Competência nº 7204, em 29.06.05, ao interpretar a nova redação dada ao art. 114 da CF pela EC 45/04, entendeu que ações de indenização fundadas em acidente de trabalho e propostas por empregado contra empregador seriam da competência da justiça do trabalho.

03. Observando a nova diretriz jurisprudencial do STF e sendo o dano decorrente de relação trabalhista, o juiz de direito determinou a remessa da ação à justiça do trabalho, para que lá prosseguisse seu processamento, com a finalização da instrução processual.

04. Quando o processo tramitava na justiça do trabalho, o advogado da empresa argumentou ter ocorrido, no caso, a prescrição, o que foi rebatido pelo autor, sob o argumento de que a lei civil então em vigor previa o prazo de 20 anos para o ajuizamento das ações pessoais.

Dois são os questionamentos propostos: (a) norma aplicável ao caso, se civil ou trabalhista, e (b) ocorrência, ou não, de prescrição do direito de ação do autor.

Quanto à letra "a", parece-me inquestionável a aplicação da legislação civilista, relacionada à responsabilização civil do empregador (arts. 927 e segs. do CC/02).

Quanto à letra "b", pesquisei na jurisprudência do TST, a qual parece estar-se pacificando pela aplicação da prescrição trabalhista (art. 7º, inciso XXIX, da CF). Porém, no caso de ação proposta anteriormente à EC 45/04, por razões de segurança jurídica, deve-se aplicar o prazo prescricional civil, inclusive com a regra de direito intertemporal (art. 2028 do CC/02).

Contudo, a presente questão trata de ação ajuizada pouco tempo depois da entrada em vigor da EC 45/04 (30.12.04) e anteriormente à decisão do STF acima mencionada (29.06.05).

Não encontrei nenhuma decisão tratando de caso idêntico ou, ao menos, semelhante.

Na sua visão, qual seria a resposta adequada?

Anônimo disse...

Esqueci de me identificar no questionamento acima.

Lauro Tércio B. Câmara.
Mat. 200338692

Anônimo disse...

Professor,



Tendo entrado com duas ações, sendo que ambas foram arquivadas por não comparecimento, segundo o artigo 732 só poderia entrar com nova ação depois de 6 meses. Posso entrar com outra ação antes deste prazo, para fugir da prescrição bienal, já que a prescrição será interrompida? Sendo assim, posso entrar com a nova ação logo após a extinção da terceira?

Anônimo disse...

Professor,



Tendo entrado com duas ações, sendo que ambas foram arquivadas por não comparecimento, segundo o artigo 732 só poderia entrar com nova ação depois de 6 meses. Posso entrar com outra ação antes deste prazo, para fugir da prescrição bienal, já que a prescrição será interrompida? Sendo assim, posso entrar com a nova ação logo após a extinção da terceira?

Tassos Lycurgo disse...

Amigo(a),

Por questões profissionais, não respondo a consultas de casos pelo blog, mormente quando a postagem é de anônimo.

Att.,
Lycurgo